Desassossego em Dia da Amazônia
This entry was posted on 05/09/2012 and tagged chico rei. Bookmark the permalink. Deixe um comentário
Hoje acordei me lembrando de meus apelidos de infância. Menina do Acre, meu pai tinha o costume de me chamar de tracajá, nega preta do barranco, Txucarramãe, cabeça de cupuaçu. Fiquei pensando no privilégio que foi, crescer no papoco, brincando na rua, indo com meu pai pras áreas de manejo sustentável na floresta, adorando as passeatas da florestania. Eu nasci alguns anos depois da morte do Chico Mendes e a sombra majestosa de seu exemplo, feito Samaúma, foi o meu norte enquanto fui crescendo.
Acho que é por isso que hoje pra mim é dia de medo. Medo por ser testemunha do que o cinismo e a ironia são capazes. Ontem, às vésperas do dia da Amazônia, Chico Mendes e os Soldados da Borracha foram entronizados como heróis da pátria. Muito bom, muito bonito. É onde eles merecem estar. Nossos sábios heróis caboclos, valentes mateiros, cabras sanfoneiros.
O que é de lascar é a falsidade dessa homenagem, é a ironia do gesto. Enquanto a homenagem era feita, os vizinhos e vizinhas do Congresso Nacional prosseguem com a destruição do mecanismo mais importante de proteção às florestas brasileiras.
Fico pensando o que o Chico diria disso tudo. Foi ele que disse, pouco antes de morrer:
“Se descesse um enviado dos Céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta, até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero viver.“
Ao contrário do que Chico disse, sua morte não foi em vão, e Chico segue vivo em cada um e cada uma que compra a briga da proteção às florestas. Chico segue vivo em quem tem a coragem de comparar o seu legado, os seus sonhos, com a realidade. E se nortear por aí.
Enquanto Chico deu sua vida, alguns e algumas não tiveram a disposião nem para dar uma canetada em defesa das nossas florestas. Ou assumindo que isto seja verdade (o que eu, sinceramente, duvido muito), segundo ela diz, a a Própria Presidenta da República não teve a disposição nem de “prestar atenção e ver o que estava acontecendo no Congresso Nacional”.
pose para os flashes (?) Créditos da foto: Beto Barata/Agência Estado
Enquanto continua esse fingimento entre partidários da motosserra e falsos ambientalistas (falsos sim, porquê se defender essa presepada é ser ambientalista eu sou um jabuti. Como disse o André Lima, me inclua fora dessa), o correntão avança. A soja domina. Castanheiras viram pasto. Sindicalistas, ambientalistas, ribeirinhos e indígenas continuam sendo assassinados.
No dia da Amazônia é o momento para refletir no legado de coragem e de entrega que o Chico, o Wilson Pinheiro, a irmã Dorothy e tantos guerreiros e guerreiras nos deixaram. É momento de ficar sentido e preocupado pela fumaça, pela fuligem que a gente respira e tosse e que, não importa o que diga o jornal, eu e você sabemos que é de floresta nativa morrendo.
Porquê, quando chegar a hora
(e é certo que não demora)
não chame nossa senhora
só quem pode nos salvar é
caviúna, cerejeira, baraúna, imbuiá, pau-d’arco, solva, pau-brasil, jequitibá…
(Matança – Xangai)
Meu registro do pôr-do-sol no rio Envira, em Feijó
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